quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

A Festa da Santa Cruz do Seu Zéquinha - Pinheirinho do Urbanova - 2012 ( Antiga Capela de Nhô Carmo)

Tradicionalmente a Festa da Santa Cruz é realizada no dia 3 de maio, porem neste ano a Festa da Santa Cruz no Pinheirinho da Urbanova estava marcada para o dia 20 de maio as 13h00min horas.
No passado esta Capela era conhecida como a Capela de Nhô Carmo, o capelão.
Era um domingo e aguardávamos ansiosos a chegada da   “Companhia de Moçambique do Bom Retiro”, pois no mesmo dia estava sendo realizada outra festa da Santa Cruz no Bairro do Bom Retiro onde a Companhia dança anualmente.
Quando cheguei ao local os “convidados” ainda não haviam chegado e na frente da Capela tudo estava muito quieto e parado.
Na rua somente os moradores locais e os integrantes de uma “caminhada ecológica”. 
Todos passavam “ao largo” e olhavam para a movimentação com curiosidade e espanto. Fiquei curiosa com o que pensavam ao ver a Capelinha assim enfeitada no meio do caminho que normalmente passavam e nunca haviam observado.
A porta da pequena Capela ainda estava fechada.
O terreno havia sido varrido e enfeitado com bandeirinhas coloridas de papel de seda.
Para pendurar as bandeirinhas Seu Zéquinha fincou no chão alguns bambus bem altos e com eles fez um grande varal quadrado onde amarrou muitas bandeirinhas.
Na frente da Capela do lado direito o Sr. Zéquinha já havia deixado pronta um cova para “chantar” o “mastro da Santa Cruz”.  
O mastro confeccionado pelo próprio Seu Zéquinha foi feito de uma tora de eucalipto e foi pintado com fundo branco e varias faixas de três centímetros coloridas nas cores: vermelho, azul, preto e amarelo.  O mastro estava apoiado sobre o telhado da Capela.
 A "bandeira” que seria colocada no mastro estava guardada dentro da casa do seu Zequinha.
Dentro da casa a função já começara há algum tempo.
A esposa do Seu Zéquinha juntamente com amigas e parentes  trabalhavam na cozinha esquentando a água para o café e preparavam o “o pão com manteiga” que seria oferecido aos convidados.
Todos ficaram muito contentes quando exatamente às 14 horas chegou uma “Van”.
Junto com a “Van” chegou uma Kombi e com ela os parentes do seu Zéquinha.  De dentro da Van saíram os integrantes da Companhia de Moçambique vestidos de branco, cada um com seus instrumentos.
Dirigiram-se para a varanda da casa do seu Zéquinha, onde começaram a afinar os instrumentos e terminaram de se vestir colocando os acessórios.
De lá saíram com faixas transversais de cetim vermelho/ azul / verde, cruzando o peito. Um deles trajava o tradicional “rebuço”- uma pala vermelha com debrum de amarelo por sobre os ombros. Alguns tinham os “paiás"(1) amarrados ao tornozelo.
Soube posteriormente que eles estão tendo dificuldade para encontrar os tradicionais “paiás de bronze” que tanto gostam.
As cores das faixas também tem um significado especial: as faixas azuis são para Nossa Senhora do Rosário e as faixas vermelhas para São Benedito.
 Para esta apresentação se juntaram os integrantes de duas companhias de Moçambique:
- Cia de “Moçambique do Bom Retiro” que tem como Mestre o Sr. Amadeo, e a
- Cia de Moçambique Mini Grupo do Vale, que tem como Mestre o Senhor Roxinho
Eles tem tido dificuldade em completar as “matrizes” (2).
 Para a festa da Santa Cruz estão em três pares de homens de várias idades e duas meninas (entre 10 e12 anos) que estão começando a aprender a dança e estavam vestidas com roupas comuns.
 A parte musical é formada por um acordeom, um tarô maior, um menor e uma viola.
Alguns dos integrantes que consegui anotar o nome: Dimas do Novo Horizonte, Amadeo (N. Horizonte), Benedito Nunes dos Santos (Bom Retiro), Benedito Adão da Silva (Putim), Rivelino Gomes dos Santos (Bairrinho), Francisco da Silva Miranda.
Assim que a Cia de Moçambique se dirigiu para frente da Capela abriram porta Capela e duas senhoras pegaram de dentro da Capela as bandeiras de N.Sra do Rosário da e de São Benedito.
Elas se postaram cada uma de um lado da porta segurando as bandeiras. A imagem dos Santos ficou escondida pelas centenas de fitas de cetim penduradas nelas. Essas fitas de cetim são penduradas pelos devotos para agradecer uma graça alcançada.
Os músicos se posicionam a esquerda da Capela e os outros integrantes de par em par, um em frente ao outro. Se preparam para o começo da dança.
Fogos são estourados para avisar os devotos que a “Festa da Santa Cruz” vai começar.
A origem de se estourar os fogos é controversa. Alguns dizem que é para avisar os devotos e outros dizem que os fogos são para espantar os maus espíritos que por acaso estejam no local.
O público é constituído de umas 50 pessoas que em sua maioria são parentes do seu Zéquinha que vieram de Caçapava para a festa.
O Sanfoneiro vai esquentando o acordeom cantando “Saudades de Matão” de Jorge Galati (3) enquanto a Companhia se organiza em frente à Capela.
Reunidos e posicionados em frente à capela eles rezam o “Pai Nosso” e a “Ave Maria” e Mestre Amadeo faz um agradecimento a todos os presentes - inclusive para a equipe que registrava o evento
Após a oração se ouve se a toada pelo Mestre Amadeo.
“Vai com Deus.
 E a Virgem Maria.
Valei, valei N. Senhora Do Rosário,
Ai Meu Senhor”,

A dança tem inicio com as batidas ritmadas e compassadas dos bastões.
Anotei algumas trovas que eles cantam enquanto dançam:


“Comecemos nossos votos
Comecemos nesta hora,
Só Deus para adorar.
A Deus e Nossa Senhora

“Lá do céu caiu um cravo
Um dos anjos apanhou
Caiu uma centelha
Nos pés de Nosso Senhor”.

“A lua vem surgindo,
 Por detrás da mata,
 A lua vem clareando bandeira de prata.
Bandeira de prata
Bastão de marfim
Eu peço pra Deus
Que olhe por mim.”.

“Meu São Benedito,
É da cor morena,
Ele sai pro sol,
E volta pro sereno”.

Cada verso cantado acompanha um determinado dançado e manejo de bastão. Entre uma trova e outra sempre cantam a pequena toada que é uma invocação:

“Vai com Deus...
Vai com Deus e Maria!
Valei, valei N. Senhora Do Rosário
Ai Meu Senhor

“Pingô, pingô, estrelinha no chão,
“Pingô, Pingô, estrelinha no chão”.

“São João Batista,
Batista João,
Batizou Jesus,
No rio de Jordão

“O ponto do giro nós vamos girar,
 De 4 em 4 no mesmo lugar”

“O Caminho da nossa vida é difícil de atravessar,
Com fé em Nossa Senhora,
Ninguém nos prejudicá ”

Dançam e batem os bastões ora de dois em dois, ora de quatro em quatro mudando a coreografia conforme a trova cantada. Um dos bailados lembra o jogo da amarelinha.
Em determinados momentos formam um circulo até que convidam os devotos para irem beijar as bandeiras:

“Nos vamos beijar bandeira,
Oi Nós vamos beijar bandeira
O meu rei São Benedito,
Ó  Senhora da Padroeira”

Então os Moçambiqueiros se dirigem aos pares até as bandeiras de S. Benedito e N. Senhora do Rosário e beijam as bandeiras.

Logo em seguida os fieis também fazem uma fila e vão todos beijar a bandeira.

Esse é o ponto alto da festa. A Companhia para de tocar e o  Sr. Zéquinha vem com a Bandeira da Santa Cruz e com fogos de artificio pipocando a “Bandeira da Santa Cruz” é levantada! Os fogos de artificio continuam a pipocar no céu saudando a Santa Cruz.

Após o levantamento do mastro todos são convidados a partilharem do lanche oferecido pelo Sr. Zéquinha. (4).
Apos o lanche dá se o leilão com as prendas que os amigos trouxeram.
Após o leilão a companhia se reune novamente para se despedir. 
No ano de 2012 não pude ficar para o leilão, mas em 2013 presenciei o leilão. 
A festa terminou e já era noite. Ver a pequena capela, com suas velas acesas cheia de gente deu uma sensação de nostalgia... Um tempo que não existe mais... Parecíamos fora deste mundo. O rio Paraíba corria há poucos metros e me pensei em quantas festas como essa ele já terá visto... Quantas ainda vera?

(1)  Paiás – Tornozeleiras de guizos
(2)  Matrizes: segundo o Mestre Roxinho uma matriz deve ser composta por 4 dançarinos para que se possa dançar o Moçambique.
(3) Jorge Galatti - Compositor nascido na Itália em 1885 e falecido em 1968. Veio para o Brasil em 1900 com 5 anos de idade fixando residência em Araraquara SP. Fez seus estudos de musica em São José do Rio Pardo. Em 1904 compôs a obra que o tornou mais celebre, uma valsa: “Saudades do Matão” batizando a como Francana.
(4) Não existem bebidas alcoólicas servidas nesta festa. O Clima é extremamente familiar. Soube que muitos devotos deixaram de celebrar a Festa da Santa Cruz, pois distribuíam bebidas alcóolicas e isto gerava confusão e briga nas festas.

Seu Zéquinha e sua Capela da Santa Cruz 


A Companhia de Moçambique chegou em uma Van




 


Os paiás amarrados no tornozelos

O caminho da nossa vida é dificil de atravessar. 

Bela, a esposa do Seu Zequinha fica responsavel pelo lanche servido aos devotos e visitantes

Agora é a hora de beijar as bandeiras escondidas pelas fitas 


Viva a Santa Cruz 

O rio Paraiba ali pertinho.


Mestre Roxinho, Dimas e o Sanfoneiro 

Cai a noite e o altar da capelinha iluminado alegra o lugar

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