Tradicionalmente
a Festa da Santa Cruz é realizada no dia 3 de maio, porem neste ano a
Festa da Santa Cruz no Pinheirinho da Urbanova estava marcada para o dia 20 de
maio as 13h00min horas.
No
passado esta Capela era conhecida como a Capela de Nhô Carmo, o capelão.
Era
um domingo e aguardávamos ansiosos a chegada da “Companhia de
Moçambique do Bom Retiro”, pois no mesmo dia estava sendo realizada outra festa
da Santa Cruz no Bairro do Bom Retiro onde a Companhia dança anualmente.
Quando
cheguei ao local os “convidados” ainda não haviam chegado e na frente da Capela
tudo estava muito quieto e parado.
Na
rua somente os moradores locais e os integrantes de uma “caminhada
ecológica”.
Todos
passavam “ao largo” e olhavam para a movimentação com curiosidade e espanto. Fiquei curiosa com o que pensavam ao ver a
Capelinha assim enfeitada no meio do caminho que normalmente passavam e nunca
haviam observado.
A
porta da pequena Capela ainda estava fechada.
O
terreno havia sido varrido e enfeitado com bandeirinhas coloridas de papel de
seda.
Para
pendurar as bandeirinhas Seu Zéquinha fincou no chão alguns bambus bem altos e
com eles fez um grande varal quadrado onde amarrou muitas bandeirinhas.
Na frente da Capela do lado
direito o Sr. Zéquinha já havia deixado pronta um cova para “chantar” o “mastro
da Santa Cruz”.
O mastro confeccionado pelo próprio
Seu Zéquinha foi feito de uma tora de eucalipto e foi pintado com fundo branco
e varias faixas de três centímetros coloridas nas cores: vermelho, azul, preto
e amarelo. O mastro estava apoiado sobre
o telhado da Capela.
A "bandeira” que
seria colocada no mastro estava guardada dentro da casa do seu Zequinha.
Dentro da casa a função já começara há
algum tempo.
A esposa do Seu Zéquinha juntamente
com amigas e parentes trabalhavam na
cozinha esquentando a água para o café e preparavam o “o pão com manteiga” que
seria oferecido aos convidados.
Todos
ficaram muito contentes quando exatamente às 14 horas chegou uma “Van”.
Junto
com a “Van” chegou uma Kombi e com ela os parentes do seu Zéquinha. De
dentro da Van saíram os integrantes da Companhia de Moçambique vestidos de
branco, cada um com seus instrumentos.
Dirigiram-se
para a varanda da casa do seu Zéquinha, onde começaram a afinar os instrumentos
e terminaram de se vestir
colocando os acessórios.
De
lá saíram com faixas transversais de cetim vermelho/ azul / verde, cruzando o
peito. Um deles trajava o tradicional “rebuço”- uma pala vermelha com debrum de
amarelo por sobre os ombros. Alguns tinham os “paiás"(1)
amarrados ao tornozelo.
Soube posteriormente que
eles estão tendo dificuldade para encontrar os tradicionais “paiás de bronze”
que tanto gostam.
As cores das faixas também
tem um significado especial: as faixas azuis são para Nossa Senhora do Rosário
e as faixas vermelhas para São Benedito.
Para esta apresentação se juntaram os
integrantes de duas companhias de Moçambique:
- Cia de
“Moçambique do Bom Retiro” que tem como Mestre o Sr. Amadeo, e a
- Cia de
Moçambique Mini Grupo do Vale, que tem como Mestre o Senhor Roxinho
Eles
tem tido dificuldade em completar as “matrizes” (2).
Para a festa da Santa Cruz estão em
três pares de homens de várias idades e duas meninas (entre 10 e12 anos) que
estão começando a aprender a dança e estavam vestidas com roupas comuns.
A parte musical é formada por um
acordeom, um tarô maior, um menor e uma viola.
Alguns dos integrantes que consegui anotar
o nome: Dimas do Novo Horizonte, Amadeo (N. Horizonte), Benedito Nunes dos
Santos (Bom Retiro), Benedito Adão da Silva (Putim), Rivelino Gomes dos Santos
(Bairrinho), Francisco da Silva Miranda.
Assim
que a Cia de Moçambique se dirigiu para frente da Capela abriram porta Capela e
duas senhoras pegaram de dentro da Capela as bandeiras de N.Sra do Rosário da e
de São Benedito.
Elas
se postaram cada uma de um lado da porta segurando as bandeiras. A imagem dos Santos
ficou escondida pelas centenas de fitas de cetim penduradas nelas. Essas fitas
de cetim são penduradas pelos devotos para agradecer uma graça alcançada.
Os
músicos se posicionam a esquerda da Capela e os outros integrantes de par em
par, um em frente ao outro. Se preparam para o começo da dança.
Fogos
são estourados para avisar os devotos que a “Festa da Santa Cruz” vai começar.
A origem de se estourar os
fogos é controversa. Alguns dizem que é para avisar os devotos e outros dizem
que os fogos são para espantar os maus espíritos que por acaso estejam no
local.
O
público é constituído de umas 50 pessoas que em sua maioria são parentes do seu
Zéquinha que vieram de Caçapava para a festa.
O
Sanfoneiro vai esquentando o acordeom cantando “Saudades de Matão” de Jorge
Galati (3) enquanto a Companhia se organiza em frente à
Capela.
Reunidos
e posicionados em frente à capela eles rezam o “Pai Nosso” e a “Ave Maria” e
Mestre Amadeo faz um agradecimento a todos os presentes - inclusive para a
equipe que registrava o evento.
Após a oração se ouve se a toada pelo Mestre
Amadeo.
“Vai com Deus.
E a
Virgem Maria.
Valei, valei N.
Senhora Do Rosário,
Ai Meu Senhor”,
A dança tem
inicio com as batidas ritmadas e compassadas dos bastões.
Anotei algumas
trovas que eles cantam enquanto dançam:
“Comecemos
nossos votos
Comecemos nesta
hora,
Só Deus para
adorar.
A Deus e Nossa
Senhora”
“Lá do céu caiu
um cravo
Um dos anjos
apanhou
Caiu uma
centelha
Nos pés de
Nosso Senhor”.
“A lua vem surgindo,
Por
detrás da mata,
A lua vem
clareando bandeira de prata.
Bandeira de
prata
Bastão de marfim
Eu peço pra Deus
Que olhe por mim.”.
“Meu São Benedito,
É da cor morena,
Ele sai pro sol,
E volta pro sereno”.
Cada verso cantado acompanha um
determinado dançado e manejo de bastão. Entre uma trova e outra sempre cantam a
pequena toada que é uma invocação:
“Vai com
Deus...
Vai com Deus e
Maria!
Valei, valei N.
Senhora Do Rosário
Ai Meu Senhor”
“Pingô, pingô, estrelinha no chão,
“Pingô, Pingô, estrelinha no chão”.
“São
João Batista,
Batista João,
Batizou Jesus,
No rio de Jordão”
“O
ponto do giro nós vamos girar,
De 4 em 4
no mesmo lugar”
“O Caminho da
nossa vida é difícil de atravessar,
Com fé em Nossa
Senhora,
Ninguém nos
prejudicá ”
Dançam e batem
os bastões ora de dois em dois, ora de quatro em quatro mudando a coreografia
conforme a trova cantada. Um dos bailados lembra o jogo da amarelinha.
Em
determinados momentos formam um circulo até que convidam os devotos para irem
beijar as bandeiras:
“Nos vamos
beijar bandeira,
Oi Nós vamos
beijar bandeira
O meu rei São
Benedito,
Ó Senhora
da Padroeira”
Então os Moçambiqueiros se dirigem aos
pares até as bandeiras de S. Benedito e N. Senhora do Rosário e beijam as
bandeiras.
Logo em seguida
os fieis também fazem uma fila e vão todos beijar a bandeira.
Esse é o ponto
alto da festa. A Companhia para de tocar e o Sr. Zéquinha vem com a
Bandeira da Santa Cruz e com fogos de artificio pipocando a “Bandeira da Santa
Cruz” é levantada! Os fogos de artificio continuam a pipocar no céu saudando a
Santa Cruz.
Após o
levantamento do mastro todos são convidados a partilharem do lanche oferecido
pelo Sr. Zéquinha. (4).
Apos o lanche
dá se o leilão com as prendas que os amigos trouxeram.
Após o leilão a
companhia se reune novamente para se despedir.
No ano de 2012
não pude ficar para o leilão, mas em 2013 presenciei o leilão.
A festa
terminou e já era noite. Ver a pequena capela, com suas velas acesas cheia de
gente deu uma sensação de nostalgia... Um tempo que não existe mais... Parecíamos
fora deste mundo. O rio Paraíba corria há poucos metros e me pensei em quantas
festas como essa ele já terá visto... Quantas ainda vera?
(1) Paiás – Tornozeleiras de guizos
(2) Matrizes: segundo o Mestre Roxinho uma matriz deve ser composta por 4 dançarinos
para que se possa dançar o Moçambique.
(3) Jorge Galatti -
Compositor nascido na Itália em 1885 e falecido em 1968. Veio para o Brasil em
1900 com 5 anos de idade fixando residência em Araraquara SP. Fez seus estudos
de musica em São José do Rio Pardo. Em 1904 compôs a obra que o tornou mais
celebre, uma valsa: “Saudades do Matão” batizando a como Francana.
(4) Não existem bebidas alcoólicas servidas
nesta festa. O Clima é extremamente familiar. Soube que muitos devotos deixaram
de celebrar a Festa da Santa Cruz, pois distribuíam bebidas alcóolicas e isto
gerava confusão e briga nas festas.
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Seu Zéquinha e sua Capela da Santa Cruz |
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A Companhia de Moçambique chegou em uma Van |
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Os paiás amarrados no tornozelos |
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O caminho da nossa vida é dificil de atravessar. |
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Bela, a esposa do Seu Zequinha fica responsavel pelo lanche servido aos devotos e visitantes |
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Agora é a hora de beijar as bandeiras escondidas pelas fitas |
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Viva a Santa Cruz |
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O rio Paraiba ali pertinho. |
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Mestre Roxinho, Dimas e o Sanfoneiro |
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Cai a noite e o altar da capelinha iluminado alegra o lugar |