domingo, 19 de outubro de 2014

Festa da Santa Cruz do Seu Zéquinha - 2012 - O CONTATO

O CONTATO
No dia 17/05/2012 maio, fomos eu e Francisco Lacaz Ruiz (Chico Abelha) entrevistar o Sr. “Zéquinha”, morador do bairro “Pinheirinho do Urbanova” que é o responsável pela organização da “Festa da Santa Cruz” que se realiza no local.
O Sr. Zéquinha todos os anos organiza a festa e segundo ele é uma tradição que herdou da mãe e de seu pai e é  comemorada pela sua família neste local há pelo menos uns 70 anos.
 Tradicionalmente a festa é realizada no dia ”três de maio”, porem neste ano a festa foi realizada no dia 20 de maio.
Conhecer o local foi uma viagem no tempo: uma “Capela da Santa Cruz” á beira do Rio Paraíba; pés de café salpicados de frutos vermelhos, pés de laranjeiras com suas “laranjas docinhas” como “reza” uma tradição do Vale do Paraíba que nos diz que: “laranjas só ficam doces depois da festa da Santa Cruz”. Este costume de marcar as festas pelo tipo de fruto da época era um costume indígena. Os nossos “índios” não conheciam a contagem do tempo e o faziam com a época das frutas.


Para se chegar ao “Pinheiro do Urbanova” deve se entrar no portão anterior a portaria oficial da “Univap” em São José dos Campos e seguir em frente por uns 600 metros em uma pequena estrada de terra. Esta região faz divisa com a cidade de São José dos Campos e Jacareí, e os serviços públicos do bairro são divididos entre as duas cidades.
Após a primeira curva iremos nos deparar com o “Bairrinho do Urbanova” também conhecido como “Pinheirinho do Urbanova”.
No passado (1936) essa região pertenceu ao complexo da fábrica da “Tecelagem Parahyba” e foi conhecido como “Fazenda do Poço” e posteriormente “Fazendinha”. Plantava se arroz, café e criava se gado, mas por sua localização estratégica, a beira do Rio Paraíba do Sul, uma população de pescadores (piraquaras).

Este mesmo local num passado recente foi vitima da extração indiscriminada de “areia” deixando no local as abomináveis e perigosas “cavas de areias”.

Um antigo morador relatou que ainda na década de 70 (1970)  a quase totalidade das casas nesta região eram feitas de sapê. O local contava com uma comunidade e diversas Capelas. Atualmente estas capelas já desapareceram e as poucas ainda existentes se encontram em total abandono e uma delas dentro do terreno do Campus da Univap.
Gostaria de salientar que não se deve confundir o “Pinheirinho do Urbanova” com o “Pinheirinho”, ambos em São José dos Campos, sendo que o segundo ficou famoso no Brasil pela retirada polemica de seus moradores dos lotes por eles invadidos.
A caminho da casa do seu Zéquinha eu vi muitas casas na beira do Rio Paraíba e conversando com seus moradores descobrimos que há pelo menos 90 anos o local já era habitado por pescadores ou os “piraquaras” e que no passado comemoravam várias festas, entre elas e a mais famosa era a “Festa da Santa Cruz”.
A Capela da Santa Cruz fica ao lado da  casa do Sr. Zequinha e ambas estão nos fundos da Igreja da Univap, ficando entre o Rio Paraíba e a Univap.  No local tem se uma visão magnifica de São José dos Campos.
 Edirlene, filha do Sr. Zequinha, nos recebeu na frente da casa e nos mostrou a vizinhança. Depois nos levou até o quintal de sua casa onde o Seu Zéquinha se encontrava trabalhando na marcação do “mastro”.
O mastro estava no quintal deitado sobre cavaletes e já estava pintado de branco. Encontramos o seu Zequinha marcando o mastro com largas tiras de papelão.  Depois dessa marcação, as faixas são coloridas na seguinte sequencia: branco, amarelo, vermelho, azul e preto.
 Ao lado do mastro que estava sendo confeccionando víamos os mastros usados nos anos anteriores. 
A bandeira da “Santa Cruz” que seria colocada na ponta do mastro estava sendo pintada por um amigo do Seu Zequinha.
Com muita tranquilidade ele foi  contando a historia de sua tradição. Enquanto conversava ele ia fazendo as marcações. No passado seu pai pegava a madeira para fazer o mastro no mato. Usava o eucalipto. Hoje ele compra o eucalipto no depósito de material de construção.
O Pai de Seu Zéquinha, falecido há 32 anos, herdou a tradição de seu avô e ele assumiu a tradição desde a morte do pai.
  Tanto o pai como o avô de seu Zequinha eram pescadores nascidos em São José dos Campos. Moravam nesta mesma casa que ele como filho único herdou. Seu pai faleceu no rio Paraíba, em frente a casa onde mora.  O “barquinho” em que o pai estava virou. Zéquinha  acredita que um barco areeiro que por ali passou, fez ondas que fizeram o barquinho virar. Ele recolheu o corpo do pai perto da ponte que liga o bairro “Urbanova” a cidade.
Ele nos contou que quando seus pais eram vivos eram realizadas muitas festas no bairro.  Agora, excetuando as festas oficiais das “Igrejas” do local só existe a “Festa da Santa Cruz” que ele organiza.
Vendo seu neto brincar ao nosso redor perguntei se o neto se interessa pela tradição. Ele me respondeu  que “não”.  Será?  Só o tempo dirá!
Ele também nós contou que antigamente na região existiam mais capelas: São Roque, São Sebastião, Santa Rosa e mais uma ou duas, hoje quase completamente destruídas. Ainda existe uma “Capela de São Sebastião” abandonada que está nas terras do “Parque da Cidade”, local que era a sede da “Tecelagem Parahyba”.
(Em levantamento posterior soube que o Parque da Cidade abriga uma outra capela, a “Capela Jatai” e seu padroeiro é São José).

A Capela de São Roque foi construída pela sua avó materna Brauzina, falecida em 1966. Atualmente esta Capela está em ruinas. Pertence a Univap. Até pouco tempo ainda eram realizadas festas no local, mas agora está em completo abandono. A Univap não permite que entre em seu terreno para realizar a festa e a imagem de São Roque se perdeu. A cruz que a Capela em ruinas ainda ostenta foi seu tio quem fez. 


Ele nos contou que existe ainda outra Capela no bairro aonde ocasionalmente o padre da Paroquia Santo Agostinho vem rezar missa e ainda existe a Capela de Santa Luzia que está em construção.
Ocasionalmente ele varre a sua Capela e acende “umas velas”, porém na época do “Seu Carmo” havia novenas e reza todas as semanas.
Nhô Carmo foi um conhecido “capelão” que morava perto da capela, numa casinha na beira do rio. Seus filhos e netos ainda moram na região. A casa de Nhô Carmo fica na beira do rio Paraíba e está fechada desde seu falecimento.
Seu Zéquinha nos contou que no tempo de seu avô a Capela era de sapê e que ele e seu pai a reformaram há 34 anos. Ele nos disse que hoje em dia poucas pessoas vêm para a Festa, a maioria é da sua família. Alguns parentes de sua esposa que são de Caçapava também costumam comparecer.
Perguntamos se alguém “paga” alguma promessa na Capela e ele nos respondeu que raramente mas que de vez em quando alguém traz algumas fitas para amarrar na Santa Cruz! ( Essas fitas são de cetim, coloridas e geralmente o devoto as  amarra na cruz após uma graça recebida. Sendo assim se uma cruz tem muitas fitas amarradas nela significa que a Cruz distribuiu muitas graças).

Para esta festa o Seu Zequinha estava esperando a “Cia de Moçambique”, depois eles rezariam o terço e caso alguém trouxesse prendas teria um leilão e por fim um café com pão oferecido por ele

A FESTA DA SANTA CRUZ NO BRASIL



A Festa da Santa Cruz celebrada no dia “3 de maio” é uma antiga devoção de Portugal,  que foi trazida para o Brasil pelos padres jesuítas assim que aportaram no Brasil, mais ou menos em 1554. Para facilitar a catequização dos índios os Jesuítas adaptaram a tradicional festa da Santa Cruz de origem portuguesa, à cultura indígena, com a inserção da dança indígena: “sarabaque”.
 Os índios guaranis a chamavam de “Festa da Santa Curuzu” e para os tupis “Santa Curuça”.
A devoção a Santa Cruz, cruzeiros e capelas da Santa Cruz, era comum nas fazendas, e em torno delas surgiram povoados que deram origem aos bairros da zona rural
Segundo estudiosos, a Festa de Santa Cruz no Estado de São Paulo marca o início do ciclo das festas juninas, do início do inverno ou ainda do ciclo de maio europeu. Elementos deste ciclo presentes na Festa são o levantamento do mastro, a fogueira (que já não existe mais), os fogos de artifícios (rojões) e os enfeites das cruzes (1)
A solenidade tradicional da Festa da Santa Cruz, consiste na reza do terço e outras orações acompanhadas por cânticos próprios. “Os festeiros rezam diante da Santa Cruz, ajoelhados ou não, beijam-na, acendem velas, cantam e dançam em adoração à Santa Cruz.
Hoje em dia a Festa da Santa Cruz é celebrada em diversos municípios do Vale do Paraíba, embora de maneiras diferentes, mas em todas elas o ponto alto da festa é a elevação do Mastro em Honra a Santa Cruz
Na sua maioria são festas familiares onde se reúnem  para rezar, dançar e honrar a "Santa Cruz
A Dança da Santa Cruz em Carapicuíba, Embu, Itaquaquecetuba, cidades originárias das vilas jesuíticas, assim como (São José dos Campos) têm traços ameríndio-jesuíticos
Em 1954 a “dança da Santa Cruz” foi considerada contribuição da cultura índio-jesuítica para a formação do estado de São Paulo.
“Em Eugênio de Melo, distrito de São José dos Campos,  foi introduzida logo após a dissolução da epidemia no distrito como agradecimento à graças recebidas. Consistia em uma novena, reza do terço em nove dias, onde cada membro era encarregado da limpeza e enfeite da capela. No último dia, era realizada a festa, com leilões, gincanas, barracas de alimentação e a dança de Santa Cruz:
  “Olha, o que vinha na época, que vinha na Festa de Santa Cruz, hoje não tem mais, e vinha na festa de Santo Antônio também era um grupo que vinha de Martins Guimarães, eles... era uma dança, eles tinham umas toras ocas, como um couro de cabrito, sempre meu pai matava cabrito e já dava prá eles o couro. Eles batiam assim igual índio, em volta da fogueira e dançavam. Então ficavam aqueles caras batendo com aquelas toras e dançavam ali em volta da fogueira.” (2)
 Durante minha pesquisa sobre a Festa da Santa Cruz  uma das perguntas que eu fazia a eles é se sabiam qual era a origem da Festa da Santa Cruz no dia 3 de Maio. Alguns deles me responderam da seguinte forma:
 - Foi no dia 3 de maio que a Santa Cruz foi “chantada” (fincada) pela primeira vez no Brasil !
 Eu estranhei esta resposta, pois segundo os livros de história, a primeira missa no Brasil foi celebrada no dia 26 de abril. Como eu acredito que a “tradição popular” tem sua sabedoria particular,  resolvi pesquisar mais a fundo o porque me davam esta resposta.
Para meu espanto, descobri que a resposta que me davam não era tão absurda como a principio me pareceu. Ela era a resposta correta... mas de um outro tempo. O tempo da tradição !
Descobri que até o inicio do século XIX, acreditava-se que fora no dia 3 de maio que a Primeira Missa havia sido celebrada no Brasil.  Pensavam assim pois o documento que é a “certidão de nascimento” do Brasil; a “Carta de Pero Vaz de Caminha” havia se perdido e somente “suposições” definiam  a data exata do descobrimento do Brasil. A suposição se baseava num antigo costume português, o de dar nome de santos ou de “dias santos” as terras por eles descobertas. Sabiam que o primeiro nome do Brasil havia sido “Ilha da Vera Cruz” e “Terra da Santa Cruz”, assim eles deduziram que tinha sido neste dia, no dia da “Santa Cruz” que o Brasil havia sido descoberto, ou que a primeira missa havia sido celebrada no Brasil enfim, houve sim, uma época no Brasil, que no dia 3 de Maio, celebra se a “Festa da Santa Cruz” e a primeira missa em terras brasileiras... ou melhor dizendo, o dia  que a Santa Cruz havia sido fincada em terras brasileiras pela primeira vez.
A Tradição oral guardou um costume passado assim como um brilhante incrustado numa joia ela não perde sua beleza com o passar do tempo... nem se modifica.
Somente em 1773, com a descoberta da “Carta de Pero Vaz de Caminha” na Torre do Tombo, em Portugal pelo Sr. José de Seabra da Silva, e sua publicação pela primeira vez no Brasil, pelo padre Manuel Aires de Casal em 1817 que pode se datar com precisão o dia do “Descobrimento do Brasil” e da “Primeira Missa”.(3) Então os livros corrigiram a data da primeira missa no Brasil de três de maio para 26 de abril, mas a tradição oral tem seu próprio saber e a devoção e comemoração da Festa da Santa Cruz no dia 3 de maio continuaram através dos anos.
Este fato om certeza foi uma coincidência que veio reforçar a Festa da Santa Cruz no Brasil, pois ela também existe e é celebrada de forma similar em vários locais na América Latina e na Europa. 
 Aqui em São José dos Campos, pesquisando em localidades onde ainda se celebram a Festa da Santa Cruz, não encontrei nenhum traço indígena nas suas danças como a que existe em Carapicuíba e em Embu. Ao contrário, aqui em São José dos Campos e uma Cia de Moçambique que dança em honra a Santa Cruz á frente da Capela. Alguns pesquisadores nos dizem que especificamente aqui em São José dos Campos, a tradição se fundiu com as “tradições africanas locais”, ou seja com os devotos de São Benedito e N. Sra. do Rosário dançando em honra a Santa Cruz, sendo um  fato histórico no Estado de São Paulo desde os tempos dos jesuítas os índios dançarem em frente a Igreja do Rosário.  
Segundo Jacqueline Baumgratz em seu livro “Cultura Popular do Paraíba” ela nos fala que:
“A festa de Santa Cruz costuma reunir diversos grupos e companhias como de Moçambique, de Catira, de São Gonçalo e até baile de arrasta-pé”.
Observei a Festa da Santa Cruz no Pinheirinho do Urbanova durante dois anos: 2012 e 2013. A Festa  é celebrada há pelo menos 70 anos pelos familiares do Sr. Zequinha, sua esposa Bela e seus antepassados.


Bibliografia:
outras bibliografias:

sábado, 18 de outubro de 2014

Santa Cruz e a primeira árvore derrubada no Brasil por um Europeu

O texto abaixo, escrito como uma sinopse para a propaganda do livro  "A ferro e fogo" de Warren Dean demonstra a presença marcante da cruz nas terras do Brasil:


"Um dos primeiros atos dos portugueses que chegaram ao Brasil em 1500 foi abater uma árvore para montar a cruz da primeira missa. Nesse gesto premonitório fez-se a primeira vítima da ocupação européia da Mata Atlântica, que cobria boa parte do território brasileiro" . (1)

(1) http://books.google.com.br/books/about/A_ferro_e_fogo.html?hl=pt-BR&id=BUK52RSW8xEC